A geração do ecrã
Desculpem se trago hoje à baila a história da professora agredida pelaaluna, numa escola do Porto, um caso de que já toda a gente falou, masestive longe da civilização por uns dias e, diante de tudo o que agoravi e ouvi (sim, também vi o vídeo), palavra que a única coisa que achoverdadeiramente espantosa é o espanto das pessoas.
Só quem não tem entrado numa escola nestes últimos anos, só quem nãocontacta com gente desta idade, só quem não anda nas ruas nem nostransportes públicos, só quem nunca viu os "Morangos com açúcar", sóquem tem andado completamente cego (e surdo) de todo é que pode terficado surpreendido.Se isto fosse o caso isolado de uma aluna que tivesse ultrapassadotodos os limites e agredido uma professora pelo mais fútil dos motivos- bem estaríamos nós! Haveria um culpado, haveria um castigo, e o casoarrumava-se.Mas casos destes existem pelas escolas do país inteiro. (Só mesmo asr.ª ministra - que não entra numa escola sem avisar.- é que temcoragem de afirmar que não existe violência nas escolas.)
Este caso só é mais importante do que outros porque apareceu emvídeo, e foi levado à televisão, e agora sim, agora sabemos finalmenteque a violência existe!O pior é que isto não tem apenas a ver com uma aluna, ou com umaprofessora, ou com uma escola, ou com um estrato social.Isto tem a ver com qualquer coisa de muito mais profundo e muito maisassustador.Isto tem a ver com a espécie de geração que estamos a criar.Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas. Há anosque as nossas crianças são educadas por ecrãs.E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos nossos olhos,
tivermos outros olhos, se tivermos um rosto humano.E por isso as nossas crianças crescem sem emoções, crescem frias por dentro,
sem um olhar para os outros que as rodeiam.Durante anos, foram criadas na ilusão de que tudo lhes era permitido.Durante anos, foram criadas na ilusão de que a vida era uma longaavenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamentenada, dava trabalho.E durante anos os pais e os professores foram deixando que isto acontecesse.A aluna que agrediu esta professora é a mesma que empurra um velho noautocarro, ou o insulta com palavrões de carroceiro (que me perdoem oscarroceiros), ou espeta um gelado na cara de uma (outra) professora, emuitas outras coisas igualmente verdadeiras que se passam todos os dias.A escola, hoje, serve para tudo menos para estudar.A casa, hoje, serve para tudo menos para dar (as mínimas) noções decomportamento.
E eles vão continuando a viver, desumanizados, diante de um ecrã.E nós deixamos.
Alice Vieira
JN, 30 de Março
Desculpem se trago hoje à baila a história da professora agredida pelaaluna, numa escola do Porto, um caso de que já toda a gente falou, masestive longe da civilização por uns dias e, diante de tudo o que agoravi e ouvi (sim, também vi o vídeo), palavra que a única coisa que achoverdadeiramente espantosa é o espanto das pessoas.
Só quem não tem entrado numa escola nestes últimos anos, só quem nãocontacta com gente desta idade, só quem não anda nas ruas nem nostransportes públicos, só quem nunca viu os "Morangos com açúcar", sóquem tem andado completamente cego (e surdo) de todo é que pode terficado surpreendido.Se isto fosse o caso isolado de uma aluna que tivesse ultrapassadotodos os limites e agredido uma professora pelo mais fútil dos motivos- bem estaríamos nós! Haveria um culpado, haveria um castigo, e o casoarrumava-se.Mas casos destes existem pelas escolas do país inteiro. (Só mesmo asr.ª ministra - que não entra numa escola sem avisar.- é que temcoragem de afirmar que não existe violência nas escolas.)
Este caso só é mais importante do que outros porque apareceu emvídeo, e foi levado à televisão, e agora sim, agora sabemos finalmenteque a violência existe!O pior é que isto não tem apenas a ver com uma aluna, ou com umaprofessora, ou com uma escola, ou com um estrato social.Isto tem a ver com qualquer coisa de muito mais profundo e muito maisassustador.Isto tem a ver com a espécie de geração que estamos a criar.Há anos que as nossas crianças não são educadas por pessoas. Há anosque as nossas crianças são educadas por ecrãs.E o vidro não cria empatia. A empatia só se cria se, diante dos nossos olhos,
tivermos outros olhos, se tivermos um rosto humano.E por isso as nossas crianças crescem sem emoções, crescem frias por dentro,
sem um olhar para os outros que as rodeiam.Durante anos, foram criadas na ilusão de que tudo lhes era permitido.Durante anos, foram criadas na ilusão de que a vida era uma longaavenida de prazer, sem regras, sem leis, e que nada, absolutamentenada, dava trabalho.E durante anos os pais e os professores foram deixando que isto acontecesse.A aluna que agrediu esta professora é a mesma que empurra um velho noautocarro, ou o insulta com palavrões de carroceiro (que me perdoem oscarroceiros), ou espeta um gelado na cara de uma (outra) professora, emuitas outras coisas igualmente verdadeiras que se passam todos os dias.A escola, hoje, serve para tudo menos para estudar.A casa, hoje, serve para tudo menos para dar (as mínimas) noções decomportamento.
E eles vão continuando a viver, desumanizados, diante de um ecrã.E nós deixamos.
Alice Vieira
JN, 30 de Março
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